BK — Castelos e Ruínas

Revista Arena
16 min readAug 7, 2021

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A Jornada de um Rei entre dualidades

Por: Gabriel Costa

Capa do álbum Castelos e Ruínas
Capa do álbum Castelos e Ruínas

A estreia solo do rapper carioca BK é uma perceptível tentativa de trazer para suas linhas algo mais pessoal e íntimo do que seus trabalhos anteriores junto ao Néctar. Sua passagem pelas rodas culturais e batalhas, que fomentam a cena do rap carioca, foi justamente o pontapé inicial para sua construção enquanto artista, de tal maneira que foi em um desses eventos que o rapper conheceu seus companheiros JXNV$, CHS e Bril, formando o grupo de rap Néctar Gang.

O artista se constrói e desconstrói em uma jornada de diálogos acerca das vivências que o levaram até o seu presente momento não só enquanto artista, mas enquanto indivíduo resultante dos paradoxos comuns à existência humana.

O álbum se molda em torno de metáforas e parábolas, porém não se limita a isso. É quase confessional, mas não pretende convencer e, sim, apenas dizer. Ao dialogar com o peso de um privilégio comparável ao dos reis, o BK de agora, mais distante do início de sua jornada, tenta manter-se no topo se defendendo do perigo constante de ser traído.

Sigo na Sombra:

Essa faixa, antes de qualquer coisa, é um marco introdutório na identidade sonora do álbum como um todo. Sigo na Sombra marca a apresentação de um novo BK, uma nova versão do rapper que ainda segue em uma marginalidade enquanto autor. A faixa conta a correria de toda a jornada de BK atravessada por castelos e ruínas até então e mostra fragilidades do artista que, ao mesmo tempo que pensa em desistir, não se contenta com as sobras. Para além de todas as punchlines[1], essa faixa parece começar como uma extensão do caráter do rapper e não apenas uma apresentação descritiva dele.

A apresentação do autor, que também é narrador ao longo da obra, acontece de forma semelhante à apresentação de um protagonista em um monomito. Assim, BK utiliza essa primeira faixa para introduzir um cenário em que ele é o rei (fórmula repetida posteriormente em Gigantes). Além disso, a faixa é justamente a saída do protagonista de seu “Mundo Comum”, ou seja, ela representa o momento em que o herói é chamado para aventura em um outro mundo, que irá lhe apresentar as adversidades comuns à instabilidade do novo.

C&R Interlúdio I:

Aqui a ideia de reinado é introduzida em forma de metáfora. Pode-se dizer que a narrativa de um rei que lida com as adversidades do caminho até o topo e com a instabilidade que há no poder firma-se como a principal direção dessa faixa, moldando o direcionamento do restante do disco. E também é semelhante ao conceito de um monomito, ou a jornada do herói, um conceito teórico elaborado por Joseph Campbell acerca de uma estrutura cíclica comum a alguns mitos famosos da história (a narrativa do messias Jesus Cristo ou Harry Potter são dois grandes exemplos dessa estrutura).

Fonte: interprete.me

Todo monomito se molda em torno de dualidades, criando estruturas conflitantes (por exemplo: bem e mal, rei e plebe, glória e decadência, começo e fim). Essas estruturas mostram que a intersecção entre as dicotomias são justamente o que dá movimento a uma narrativa. A história é o resultado destas intersecções.

O beat desta faixa, assim como a escrita do rapper, remete à forma efêmera das coisas em uma rotina frenética, onde todo segundo importa devido a inconstâncias geradas no seio das dualidades. Essas dualidades moldam a realidade do BK narrador e do BK protagonista — por toda obra o BK é os dois.

“E a espada de Dâmocles mostra pros loucos que em um segundo o tudo vira pó…”

A instabilidade que há na repetição das coisas (que mostra que nada pode ser sempre igual) é o que atrai BK em meio a sua metalinguagem. Nessa faixa, ele fala sobre Dâmocles, o protagonista de uma anedota moral representado na pintura de Richard Westall, A espada de Dâmocles (1812).

Richard Westall, A espada de Dâmocles (1812).

Entre suas linhas descritivas, a frenética vida do rei BK tece a narrativa do álbum ao falar de um rei amaldiçoado pelo perigo iminente da espada sob sua cabeça e acima de seu trono. Dâmocles no conto é um súdito ambicioso e bajulador que recebe uma lição do rei ao se sentar em seu trono e ver uma espada presa por um fio na direção de sua cabeça. O cenário pintado por Westall é exatamente a síntese da via de mão dupla que é o poder: entre luxo e ninfas, a ameaça presente em ter o poder tão próximo a si. Literalmente o peso da coroa sobre a cabeça.

Quadros:

BK, nessa faixa, apresenta as motivações do protagonista. Ele mostra que suas pulsões são incertas em direcionamento, ele só está na correria por querer o que o mundo tem para ele. Apresenta as ambições de quem teve até mesmo o básico negado e as dualidades de quem se vê entre morrer tentando viver um sonho ou abraçar uma vida longa e comum longe do próprio anseio.

“Meu desejo virou meu adversário…”

A nova versão do rapper está mais firme do que nunca no objetivo de viver o que o faz sonhar, mesmo que frente aos muitos obstáculos presentes na realidade da malandragem carioca.

O racismo estrutural é um recorte possível nessa realidade onde BK se divide entre a perseguição dos porcos (a polícia, que é parte dessa estrutura) e o perigo iminente da vivência de um corpo preto. E, somando-se a isso, O poder (de um rei) dado ao protagonista torna-o alguém cada vez mais refém de sua desconfiança generalizada.

Nessa faixa, ele traz muito da cosmogonia (corpo de crenças e costumes) presente na realidade carioca, com referências bem específicas observadas no cotidiano de uma cidade, a partir da perspectiva de quem vive nela e é atravessado tanto por suas violências, quanto por suas possibilidades.

O que sobra disso:

O nome da faixa parte de questionamentos acerca do preço que se paga ao mergulhar em uma jornada, seja por um sonho, um objetivo especial ou apenas a necessidade de se mover, de levantar de manhã mesmo frente às dificuldades. Apresentando um flow frenético, BK expressa bem a ansiedade comum a esses questionamentos. O rapper novamente expressa a apreensão das ameaças que o perseguem na sua correria para o topo.

Para BK, saber o que sobra depois do esforço é importante, dado o caráter efêmero das coisas que o cercam: uma hora faz sentido, outra hora não sobra nada além de ruínas.

Visão Ampla:

Essa faixa carrega uma casualidade que nos alinha mentalmente com o protagonista no que é o começo da metade do álbum. Ela emerge como um momento de clareza e respiro na conturbada jornada do herói e narrador. Além disso, essa causalidade provavelmente deriva do fato de a faixa ser absolutamente descritiva. A narração é tão descritiva, vívida, real e confessional, que deixa de ser apenas passiva e distante, tornando-se um relato de vivência do autor, que, antes de MC, era moleque da periferia carioca. Dessa forma, esse passa a ser um relato de sobrevivência comum a todos que sentem familiaridade com aspectos da identidade da cidade do Rio de Janeiro (que é musa/palco de inúmeras composições do rapper).

A vivência das noitadas cariocas reflete o caráter profundamente plural de uma cidade brutalmente desigual e é a ambientação da jornada desse herói. BK, o protagonista que, diferente do herói clássico do modelo do monomito, não atravessará para outro mundo em sua jornada, mas encontrará os muitos mundos que existem em uma única cidade tão desigual.

Apesar do universo de instabilidades e paradoxos do Castelos e Ruínas, Visão Ampla mostra um BK que está certo do que precisa fazer por já estar há muito tempo observando, em sua esquina do bairro, o recorte de um mundo que ele deseja enfrentar e vencer.

Caminhos:

Nessa faixa, ele se mostra forte e certo que os paradoxos e dualidades impostos em seu caminho nunca o desviarão de seu propósito. Na realidade, deles partirão a resiliência comum a todos que, assim como na obra confessional de BK, têm a cidade do Rio de Janeiro separando-os de seus sonhos. Um fato bem interessante de se pensar é que o rapper saiu da Zona Oeste para o Centro, em um movimento migratório conhecido por muitos que se veem sem oportunidades de viver seus sonhos, se não migrando para o polo comercial de uma grande cidade (essa é uma narrativa que se repete em especial para artistas pobres). A centralização das oportunidades não é apenas resultado da macrocefalização da cidade, mas também uma nítida projeção do poder capitalista.

BK consegue abarcar todas essas pautas, ainda que sua intenção inicial seja apenas trazer as dualidades comuns das jornadas que escolhemos viver e também aquelas que a vida nos impõe. Parte da complexidade que a obra do MC carrega está ligada à relação íntima que BK tem com a cidade carioca a ponto de ser descritivo o suficiente para pescar a identificação imediata de seus habitantes. Dessa forma, o artista torna seu trabalho algo maior até mesmo do que as bolhas sociais que o comumente consumiriam (no caso, pessoas que já escutam rap).

“Sonho ou pesadelo, uma sexta na Lapa chovendo dinheiro…”

Castelos & Ruínas:

Retomando um novo fôlego, o personagem de Castelos e Ruínas segue na sua jornada. Nessa faixa, por mais que BK fale de ambições e sonhos, ele também retrata os malefícios e oportunidades relativas ao dinheiro.

Na faixa temos uma versão mais madura das ambições do protagonista que, apesar de ter ingenuidade e a faísca necessárias para querer mudar o mundo, sabe o poder que o dinheiro carrega em si. É uma versão do nosso herói mais preocupada com um futuro melhor e menos envenenada pelo ódio que inflama as feridas deixadas por esse mecanismo de desigualdades.

“O perfume das notas novas, as pernas e portas que ele abre… Nunca respeitei a burguesia, mas quero que meu filho tenha o melhor da vida…”

A seguir, ainda que o autor fale da desigualdade, ele não trata o assunto como algo ocasional, tão pouco individual, identificando-o como estratégia de um inimigo. Ele trata a desigualdade como essencialmente estrutural.

“É que esse pedaço de papel não tem culpa, é estratégia do inimigo pra tu não fazer o teu…”

Ele se mostra muito ambicioso nessa faixa e sonhando mais alto, já que nessa altura da jornada não há motivação maior do que seguir em frente, agora mais ciente do que nunca que a busca pelo topo (tanto para se manter nele quanto para chegar) é de altos e baixos. BK ilustra bem o tamanho de suas ambições, trazendo o paradoxo de uma visão micro em paralelo a uma macrovisão, colocando-se em posição receptiva das possibilidades que a jornada até o topo pode oferecer.

“Tô de rolé pela minha rua de olho no mundo, tô de rolé pelo meu bairro de olho no mundo… Quero saber o que que o mundo tem pra oferecer, o que a vida tem pra oferecer…”

Pirâmide:

Talvez de todas, essa seja a faixa com mais referências bíblicas.

“Fé de Cristo e a religião é o flow nego é o bicho…”

São tantas que talvez, ao citar com juízo, fosse necessário pôr quase 70% das linhas aqui. Entretanto, o foco não parece ser as metáforas nesse segmento e muito menos algo que desrespeite de fato a jornada tema do disco. A história de nosso herói pouco é elaborada e narrada nessa canção, o que também não é o aparente objetivo da composição.

Aqui, BK parece saudar tudo e todos que, de alguma forma, serviram como alicerce para que o herói atravessasse o deserto (a jornada).

“E quem está lá quando o bagulho fica doido? É sim merecedor, então puxo forte o ar pra transformar a dor em ardor…”

Amores, Vícios e Obsessões:

Com certeza, se tem algo na atmosfera dessa música que a torna um destaque entre todas as outras do álbum, é o fato de termos uma versão do autor ainda mais vulnerável, pois temos um BK apaixonado. Ou, pelo que parece, um BK falando sobre sentimentos mais leves e não, por isso, menos complexos.

Conhecida na cena do rap nacional como Love Song (quase toda canção de rap que fale de sentimentos do tipo), essa faixa, em particular, parece ter muito mais a oferecer dentro da narrativa da obra do que se mostra a princípio, justamente por mostrar um lado do herói/narrador que não havia sido apresentado até então. Ainda que seja uma canção sobre relacionamento, o rapper segue trazendo referências bíblicas, cultura carioca, conceitos monárquicos (com a ideia de reis e rainhas, por exemplo) e as próprias vivências do compositor.

“Já não pode me ver cara a cara, ser rainha? A coroa é cara…”

A relação íntima e instável (assim como tudo na obra) retrata, nessa faixa, um respiro de alívio para o herói que se vê tomado de desconfiança por se sentir cercado de “Judas”. Esse afeto ilustrado tão intensamente ao longo da música é um oásis no meio do deserto (citado na faixa anterior) que o protagonista precisa atravessar. O deserto ao longo da Bíblia é retratado como um lugar de grandes e vorazes provações, como as da jornada do herói. A instabilidade dentro do universo de Castelos e Ruínas é capaz de criar dilemas até mesmo nos afetos do protagonista que, mesmo em um sentimento agradável, beiram a obsessão.

Não me Espere:

BK parece se atormentar mais com a ideia de não sair do lugar do que com a ideia de se arriscar em um mundo diferente do seu. O narrador/herói se vê tão longe do início da jornada que voltar não é mais uma opção, mesmo que ele não reconheça nada nessa nova etapa, nem sequer reconheça a si mesmo.

“Tudo se tornar vazio e frio do lado esquerdo do peito, me deito e acordo rindo dos pesadelos. Olho ao redor e nada reconheço, não me reconheço. Reaprender novo começo…”

Ele sabe de tudo que há de novo nesse mundo tão diferente de sua realidade original, sendo reflexo do caminho percorrido até então. E, mesmo na obsessão por avançar mais e mais, o autor pede para que não espere por ele. Isso ocorre não pelo fato de ele nunca pretender olhar para o passado (pois ao longo da faixa ele expressa saudade), mas pelo fato de ele saber que não será o mesmo ao voltar de sua jornada.

“Porque não evoluir, é tipo estado terminal na UTI… E a vida é um passeio até chegar no terminal. E ela se inicia toda vez que terminar…”

É interessante observar que, em um paralelo com o que ocorre na vida, o narrador mostra que nada tem necessariamente um fim definitivo e que a vida está sempre se reiniciando, como uma estrutura cíclica, assim como nos monomitos. A perplexidade entre sair do lugar ou não, como a anedota referente a estar vivo ou morto, é recorrente nas composições desse trabalho. É como se, para o autor, só houvesse a opção de sair do lugar ou morrer, como se não sonhar com algo para além da própria realidade condenasse pessoas a uma existência que mata aos poucos pela falta de opção. É como se a principal forma de lutar contra as desigualdades que atravessam pessoas pobres e periféricas (como o autor) seja sonhar com algo maior do que a realidade que prende essas pessoas a rótulos historicamente atribuídos. Para o autor, correr atrás do seu anseio é o princípio de um ato revolucionário de furar as camadas de uma sociedade de classe por um sonho, contrariando a expectativa comum a jovens negros (que geralmente está ligada a morte, encarceramento ou, na “melhor” das hipóteses, a um emprego precarizado).

“… e se eu acelerar, não corra atrás de mim, não espere por mim, ouça falar sobre mim! […] Não perdi nada por aqui, mas se eu continuar aqui eu perco tudo!”

Um Dia de Chuva Qualquer:

Novamente, BK se mostra em caráter mais confessional e observador nesta faixa. O beat ambienta bem a noção de um dia preguiçoso de chuva e, ao longo da música, o autor pinta o cenário de um mundo de muita encenação e pouca veracidade. Ele observa uma tempestade que se forma em seu horizonte, mas também está ciente que, quando entrou na jornada, pôs-se à disposição de passar pelas tormentas que caracterizam uma trajetória. Sem romantizar, ele sabe que é isso que o tornará alguém maior no “fim” de seu caminho.

“No lugar, onde a tempestade não possa alcançar, mas é necessário se molhar para avançar…”

O narrador se afasta de qualquer otimismo e não acredita que, após a tormenta, venha a bonança. Ele sabe que só fica mais difícil, mas, ainda assim, ele vai continuar, mesmo que o caminho seja incerto.

É como a volta do trabalho sem guarda-chuva e a surpresa de um temporal de fim de tarde. Na esperança do fluxo diminuir, perdem-se horas ilhado em um bar, uma padaria ou qualquer marquise (quem mora no RJ sabe do que se trata, pois quase tudo na cidade alaga). Mas, às vezes, o fluxo simplesmente vai piorar e durar a noite toda e a chegada em casa continuará sendo necessária. Primeiro, é preciso se livrar da expectativa de não se molhar e aceitar que, para se deitar na cama, comer e descansar por mais um dia (nesse ciclo), é necessário atravessar a chuva até o ponto de ônibus ou estação de metrô mais próxima para chegar no destino.

C&R Interlúdio II:

É nesse ponto da narrativa que se retoma à ideia de rei, trabalhada nas primeiras faixas do álbum. Nessa parte da trama, o protagonista/narrador se apresenta desencantado frente ao poder e às conquistas da jornada.

Tudo é passageiro, tudo é transitório, principalmente o poder. Ele, em seu desencanto, chega ao ápice da desconfiança, sentindo-se perseguido. O preço da sua jornada foi a sua própria paz.

“To cercado, ferido, cansado, preciso de abrigo… Preparo o meu contra ataque, a toa, o inimigo pesado. Eu estava preparado, mas acho que fui sabotado, traído, cuspido, humilhado…”

Apesar de uma faixa pesada e carregada de mágoa, trata-se de um ponto de maior introspecção na história do herói que, ao se ver traído (e no ponto de maior provação da jornada), termina seu relato dizendo o que as instabilidades da vida podem esperar dele, agora já calejado e mais sábio.

“Será o início da tal maldição, mas vou voltar, mais brabo do que pensam.”

O Próximo Nascer do Sol:

O Sol é, há muito tempo e para as mais diferentes culturas, um símbolo de esperança, seja por sua influência na manutenção da vida terrestre ou por sua presença, que traz o respirar de um novo dia. BK, mesmo que com o espírito calejado, mantém-se mais ponderado do que otimista.

Não se trata de uma faixa de fechamento que soa ingênua de tão otimista após um trabalho denso e pessoal. O autor parece estabelecer um equilíbrio entre a virulência (às vezes violenta) da realidade e a presença permanente de sinais de recomeço, nesse caso manifesto no Sol.

O protagonista parece encontrar seu lugar nesse vasto universo de coisas passageiras sem que isso tire seu foco do sentido principal de estar vivo. Ele entende que é muito mais sobre a jornada do que o destino.

Ao encontrar-se nesse tempo e espaço onde tudo importa, não pelo seu resultado, mas pela importância de se dar o desafio de lutar pelo que te inspira, desafiar-se é sair do lugar. Sair do lugar é guerrear contra as expectativas e estar em movimento. E estar em movimento é estar vivo.

“Tipo o mel, BK sempre estará no jogo, assim como o sol sempre estará no céu…”

O que tira o herói do seu mundo comum?

O álbum é uma travessia entre dois mundos conduzida pelo narrador e vivenciada pelo herói que vemos amadurecer. Ambos são as personas de um mesmo indivíduo: o autor. BK não está interessado em dar respostas prontas, tudo que se refere a suas metáforas está ligado ao resultado da intersecção entre ideias conflitantes, as dualidades tão comentadas anteriormente.

As faixas também servem como um diário que traduz a vivência de muitas pessoas que se veem destinadas a fazer essa mesma travessia de mundos feita pelo rapper ao longo desse trabalho. Tal jornada é comum e familiar para qualquer artista cria das periferias do Rio de Janeiro: a identificação é imediata.

BK começa o álbum apresentando sua saída do mundo comum em busca de um ideal de vida que o foi negado por um sistema profundamente desigual. Nessa faixa, ele segue mostrando o confronto do seu novo eu com esse novo mundo, no qual, na mesma medida que tenta adentrá-lo, o herói vive as instabilidades presentes na jornada pela manutenção de um poder ou pela conquista.

A persona do rei serve para ilustrar a instabilidade e o peso do poder, tornando esse protagonista um ser profundamente solitário em sua jornada, já que, em muitos momentos, ele se vê por ele mesmo. Ao longo da obra o amadurecimento do narrador/herói leva o mesmo a entender melhor o sentido e os motivos para ele seguir nessa jornada. A travessia é tão importante pois indica movimento, indica vida.

O álbum é frenético e, ainda que de 2016, segue profundamente atual, refletindo bem o caráter de sua ambientação (a cidade do Rio). A escrita de BK é complementada pelo seu flow: saber dizer é tão importante quanto pensar no que dizer. Foi um trabalho que serviu como respiro para o rap nacional justamente por saber ser crítico sem ser pretensioso ou estritamente de nicho, ao mesmo tempo que consegue ser confessional e pessoal o suficiente para haver fácil identificação por parte do ouvinte. Nem mesmo as metáforas presentes na obra são inacessíveis para um público menos familiarizado com a linguagem musical do álbum. É um trabalho receptivo e, sem dúvida, é uma das estreias solos dentro da cena do rap nacional que fez mais barulho nos últimos anos.

Se você está precisando de uma narrativa em que o protagonista capte o público por suas fragilidades, o debut de BK é uma ótima opção. Com uma crítica contundente a um sistema de desigualdades, o álbum não deixa de ser íntimo, trazendo vivências do autor, que agora vive o sonho de sobreviver de sua arte em um país como o Brasil. É um trabalho preocupado, na mesma medida, com o seu tempo e com a apresentação do caráter do seu autor e suas fragilidades.

[1] Punchlines: refere ao que a própria estrutura da palavra remete, punch = punho, lines = linhas; é um trecho de maior impacto na composição.

Referências:

CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. Tradução Adail Ubirajara Sobral. CULTRIX/ PENSAMENTO. SAO PAULO. Título do original: “The hero with a thousand”.

BK. Castelos e Ruinas. 2016.

RAP TV. DISSECAÇÃO | Bk’ — Castelos e Ruína”. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=5BNtP3LL7Aw>. Acesso em: 01/07/2021.

Reverb Entrevista. BK’ fala sobre o que mudou de ‘Castelos & Ruínas’ para ‘Gigantes’”. 2019. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_7t4p4a-SKw>. Acesso em: 01/07/2021.

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